Um mês sem água na cozinha

Era exatamente sábado à noite, dia 08 de dezembro. O Reiner ia sair de viagem de negócios por uma semana no dia seguinte. Quando fui lavar a louça do jantar, começou a escorrer água sob a pia – um dos canos flexíveis de conexão estava furado. Sem chance de usar a pia.

Na segunda liguei cedo para a firma que fez a montagem da pia, expliquei minuciosamente onde estava o problema e solicitei um atendimento urgente, por favor. No meio da tarde, não havia aparecido ninguém, liguei de novo e perguntei quando eles iriam aparecer. A moça não sabia dizer. Como assim, não sabe dizer. “Ah, nossos técnicos estão na rua, nenhum deles aqui por perto e tenho de esperar eles voltarem, não tenho como entrar em contato com eles”, ela disse. “Então vou cancelar a solicitação”, “Como assim?”, “Assim mesmo. Se vocês não sabem me dizer quando eu vou ser atendida vou procurar ajuda em outro lugar. Por acaso a senhora sabe o que é ficar sem água na cozinha, minha senhora?” “A senhora pode esperar 5 minutos?” “Pra que?”! “Vou tentar localizar um dos técnicos.“ De fato ela ligou de volta em menos de cinco minutos avisando que alguém viria ver o problema em menos de uma hora.

Vieram dois. Olharam, confabularam. “A senhora tem certeza que nós (a firma) instalamos esta pia?” Eles estranhavam, dizendo que não trabalhavam com aquela armação na firma. “Quando?”, quiseram saber. “Deve ter sido em 1998 ou 1999. Foi antes de eu chegar, então tem de ter sido um destes dois anos”, eu disse. „A senhora sabe quantos tipos de armação para pia existem? Não há como saber sem olhar, qual a que foi montada aqui, mesmo que o trabalho tenha sido feito pela firma.” Estava claro que a mulher que me atendeu tinha feito minha caveira. “Eu estou consciente disso, meu senhor. Por isto mesmo é necessário que um especialista venha olhar para saber qual a peça está estragada. O senhor sabe o que é ficar sem água na cozinha?“E acrescentei: “Quanto mais rápido vocês puderem providenciar a peça melhor.“ Na minha imaginação eles iam descobrir qual a peça estragada, providenciar e voltar pra montar no mesmo dia. Ilusão. Foram embora pra buscar ferramentas e meia hora depois voltou um deles sozinho. Ele se enfiou debaixo da pia onde ficou, falando sozinho e blasfemando cheios das exclamações, por meia hora. Saiu de lá com um cabo flexível na mão dizendo que tinham de encomendar. “Se eu tinha a nota fiscal?“, quis saber. Como o Reiner é super organizado, achei a nota fiscal do serviço, entre as outras notas fiscais no fichário do nosso apartamento, sem nenhum problema. E confirmei a data de instalação 28 de outubro de 1998. Ele levou e eu disse que precisava da nota de volta depois.

Conversei com a moça do escritório novamente e ela disse que ia demorar mais ou menos uma semana para entregarem a peça. O Reiner ficou indignado. Ele voltou na quinta feira e a primeira coisa que fez foi ligar lá para deixar clara a sua indignação. “Por acaso a senhora sabe o que é ficar sem água na cozinha, minha senhora?”, ele perguntou.

Não havia jeito mesmo. Só esperar. Sem água na cozinha. E vocês sabem o que é ficar sem água na cozinha? Tudo bem que a máquina de lavar louça continuava funcionando bem, o que é de extremo valor nesta situação. Mas e cozinhar sem água na cozinha? Lavar salada, arroz, e aquele pouquinho de água a mais para acrescentar na comida? Ainda podia usar a pia para desprezar a água e me vi adotando uma solução ultra antiga: duas bacias de água sobre a pia, permanentemente: uma para lavar as pontas dos dedos, outra para lavar algum ingrediente. Além disso, uma jarra com água pra acrescentar ao cozimento quando necessário. E haja “anda de lá pra cá” para renovar as águas das bacias. Por sorte temos um banheiro perto da cozinha, o que facilita. Eu me surpreendi de como a gente se adapta depressa a novas circunstâncias – e de como pode-se viver com pouca água, para o essencial. É claro que o fato de termos a máquina de lavar louça facilita muito.

Telefonamos antes lá na firma antes de sairmos de viagem no final de ano. Avisaram-nos que ia demorar por que o atacadista tinha de solicitar a peça para o produtor. Ninguém tinha a peça em estoque. Íamos viajar mesmo, aceitamos a situação.

Na segunda feira passada passamos pessoalmente na firma, bem pertinho aqui de casa, para nos informarmos. Eles não tinham previsão de quando eles iam receber a peça. “O senhor tem uma idéia do que é ficar sem água na cozinha, meu senhor?”, pergunta o Reiner. Pergunto eu. Toda a indignação é vã quando não há o que fazer. A questão se resume no seguinte: Cada fabricante produz peças para suas armaduras com diferentes calibres nas conexões entre os seus componentes. Considerando-se que os modelos se renovam com freqüência, que a peça em questão raramente apresenta defeito – a cada seis, sete anos, ninguém tem a peça em estoque. O Reiner queria ligar pessoalmente para o fornecedor, pediu e recebeu a nossa nota fiscal antiga, mas o número de referencia da peça, que não constava na nota, nem o dono da firma quis nos dar – a esta altura ele nos atendia pessoalmente e se lembrava do Reiner. Eu, pensando nas conseqüências, se este teatro começa de novo em outra firma, achei que o melhor mesmo era ter paciência. Botei panos quentes e tirei o Reiner de lá, dizendo que íamos esperar esta semana ainda.

Ontem levei um choque quando a máquina de lavar louça não quis funcionar. Vocês já imaginaram ficar sem água na cozinha quando se tem de lavar louça? Já me via no meio da nova maratona, tendo de comprar uma máquina de lavar às pressas e tendo de lavar louças no lavado do banheiro neste meio tempo. Mas o Reiner descobriu que a máquina estava entupida – lavamos um guardanapo junto com a louça sem perceber. Alívio. A máquina de lavar louças continua em ação. E o dono da firma ligou diretamente pro Reiner no trabalho dizendo que tinha conversado pessoalmente com o fornecedor e a peça seria enviada hoje. Amanhã eles podem montar. Tanto melhor.

Pelo menos agora eu sei o que é ficar sem água na cozinha para cozinhar e para lavar louça. Só falta que eu sinta falta das minhas bacias com água espalhadas pela pia.

2 thoughts on “Um mês sem água na cozinha

  1. Depois que passa o sufoco, fica muito engraçado. :-)))
    Ri à beça de vocês perguntando “A senhora sabe o que é ficar… “? Hahahahaha. Que bom que agora está tudo bem.
    Beijos

  2. Pingback: Quarenta e um dias! « ‘

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